
Espanhol.- A postura do presidente colombiano, Gustavo Petro, sobre a legalização da cocaína não só gerou controvérsia na Colômbia, como também projetou uma imagem internacional que muitos consideram perigosa para a estabilidade do país. Suas declarações, como as feitas na Assembleia Geral da ONU em 2022, onde afirmou que o petróleo e o gás são mais prejudiciais que a cocaína, não apenas desafiam o consenso global sobre as políticas antidrogas, como também alimentam críticas sobre sua capacidade de liderar com clareza em um contexto onde o narcotráfico continua sendo uma das principais ameaças à segurança nacional. Essas palavras, longe de serem apenas um deslize retórico, parecem refletir uma visão ideológica que, segundo seu ex-ministro, Álvaro Leyva, poderia estar sendo influenciada por um consumo pessoal que obscurece seu julgamento.
Leyva, em sua carta, não apenas questiona a moral do presidente, como também insinua que seu comportamento errático poderia estar ligado a um vício. Essa acusação, embora explosiva, não é totalmente nova no debate político colombiano. No entanto, o que a torna particularmente grave é o contexto em que ocorre: um governo cercado por escândalos de corrupção, polarização política e uma crescente percepção de ingovernabilidade. A insinuação de Leyva, apresentada com uma linguagem incisiva e cuidadosamente elaborada, não é apenas um ataque pessoal, mas um questionamento direto à legitimidade de Petro para liderar um país que ainda luta para superar as feridas de décadas de conflito armado e narcotráfico.
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Nesse sentido, é impossível ignorar a relação de Petro com o Foro de São Paulo, uma plataforma que reúne partidos e movimentos de esquerda na Hispano-América com vínculos com o narcotráfico. Entre seus membros históricos estão organizações como as FARC e o ELN, grupos armados que, tanto na Colômbia quanto na Venezuela, desempenharam um papel central na promoção e financiamento do tráfico de cocaína. Embora Petro tenha tentado se distanciar das atividades criminosas desses grupos, sua participação no Foro de São Paulo e seu discurso indulgente em relação à economia da coca levantam dúvidas sobre seu real compromisso com a luta contra o narcotráfico. Em um país onde as FARC e o ELN deixaram um legado de violência e desestabilização, a percepção de que o presidente possa estar alinhado ideologicamente com esses atores, mesmo que de forma indireta, é profundamente inquietante.
A defesa de Petro da legalização da cocaína, apresentada como uma solução progressista para um problema estrutural, ignora as complexidades de um mercado ilícito que não apenas gera riqueza para elites criminosas, mas também perpetua a exploração de comunidades vulneráveis em regiões como o Cauca, Putumayo ou Catatumbo. Sua comparação da cocaína com o uísque, embora possa parecer uma hipérbole destinada a provocar, subestima os efeitos devastadores sociais e de saúde pública que o consumo dessa droga causou na Colômbia e no mundo. Mais ainda, seu otimismo quanto aos benefícios econômicos de uma indústria regulada da cocaína parece desconectado da realidade de um país onde a institucionalidade ainda é frágil e a corrupção permeia todos os níveis do Estado. Como garantir que os lucros de uma suposta indústria legal da cocaína não acabem nas mãos dos mesmos cartéis que sangraram o país por décadas?
Da carta de Leyva pode-se concluir que o governo de Petro já é inviável no atual contexto político colombiano, por uma desconexão arrogante com as prioridades de uma sociedade que exige soluções concretas para problemas como a insegurança, o desemprego e a desigualdade. A classe política colombiana, profundamente dividida, mas unida em sua rejeição a propostas tão radicais, dificilmente verá na legalização da cocaína uma bandeira viável. Mesmo os setores progressistas, que poderiam compartilhar a visão de Petro sobre a necessidade de reformar a política global de drogas, olham com ceticismo para uma proposta que parece mais um exercício retórico do que uma estratégia bem fundamentada.
Em última instância, a carta de Álvaro Leyva não apenas expõe as supostas fraquezas pessoais de Gustavo Petro, mas também coloca na mesa uma pergunta fundamental: pode um presidente que defende abertamente a legalização da cocaína, em um país marcado pelo trauma do narcotráfico, liderar com a clareza e autoridade necessárias para unir a nação? A resposta, ao menos para uma parte significativa da sociedade colombiana, parece ser um rotundo não. Enquanto o governo de Petro cambaleia sob o peso dos escândalos e das acusações, a sombra do Foro de São Paulo e a influência de atores como as FARC e o ELN apenas adicionam mais combustível a um debate que está longe de se encerrar.